Utz

A exposição UTZ reúne vários trabalhos recentes em torno da história da Fotografia como técnica de reprodução e como objecto de criação artística.

Utilizando diferentes técnicas, em parte já obsoletas, como a impressão através de luz solar (cianotipia), a estereoscopia e a polaroid, contrapondo estas com mais recentes como a impressão a jacto de tinta e a apresentação em vídeo, a exposição dialoga directamente com alguns trabalhos de fotógrafos seminais como Talbot, Niepce e Man Ray, estabelecendo assim relações com a memória da própria fotografia como prática e com a actual evolução do processo analógico para o digital, tanto na captação de imagem como na sua posterior impressão.

Entre os trabalhos a serem apresentados encontram-se os cianotipos da recente série “SUN PICTURES”, apresentados em grande formato, que utilizam como base outro médium em transformação, o cinema, a partir de películas 8mm e Super 8mm, matéria já anteriormente utilizada em outros trabalhos meus, como colector representativo de arquivos amadores de memórias pessoais e colectivas. Tanto a fotografia como o cinema, ao contrário das outras artes visuais e como meios artísticos recentes, estão intimamente ligados ao desenvolvimento e à inovação nas tecnologias respectivas, ao fim da produção de suportes já tradicionais e ao aparecimento de novas possibilidades de exploração criativa.  A transformação ou desaparecimento de empresas-laboratório, como a Kodak ou a Polaroid, o surgimento de outras como a Epson, reflectem igualmente esta evolução da técnica através do mercado (principalmente o mercado amador) e que obviamente tem e terá sempre consequências práticas no pensamento, no produto artístico e no conceito de memória em si.
Basta pensarmos nas cores em que imaginamos os anos 50, para entendermos como a nossa memória colectiva desse tempo está ligada ao tipo de revelação utilizada na película Kodachrome (diapositivo e filme) e como todas essas cores são, na verdade, ilusórias e resultado de um processo químico apenas. A isto se referem igualmente os trabalhos que construí a partir de diapositivos encontrados ou adquiridos (“DIA POSITIVO”).

A obra “ZEPPELIN 1936-1994-2012” refere-se a essa mesma memória fotográfica através das diferentes técnicas do próprio meio. As datas utilizadas no título indicam isso mesmo e referem-se aos diferentes passos para chegar a este trabalho conclusivo de um longo processo de transmissão. Em 1936, pouco antes de abandonar a Alemanha, o meu avô Herbert August fotografou as imagens do Zeppelin aqui expostas, conjuntamente com as polaroides tiradas por mim para um projecto não realizado com o Robert Wilson em 1994. Finalmente, em 2012 comprei as reproduções estereográficas, fotografei duas últimas imagens, que acabam por dar a forma a esta fotografia-objecto, este dirigível fotográfico entre o passado e o futuro, entre a viagem maravilhosa e a sua utilização durante as guerras, entre mim e o meu avô, um símbolo de transmissão e memória, também estas flutuantes.

“SELF-PORTRAY”, único trabalho em vídeo, mas igualmente existente em fotografia fora da exposição, é um objecto a partir de uma imagem de Man Ray, um artista que experimentou muito com os seus “rayogramas”, redescobrindo essa antiga técnica de colocar um objecto debaixo da luz do ampliador para criar uma cópia da sua sombra, um positivo-negativo, criando assim uma linha directa com os outros trabalhos apresentados, incluindo a imagem de “O FOTÓGRAFO”, uma prova de contacto directa com luz solar a partir de um negativo adquirido.

Outro projecto fotográfico realizado para esta exposição é “A PRIMEIRA IMAGEM”, uma série inédita de 14 polaróides de 8.5 x 8.5 cm. É um trabalho baseado a partir de uma imagem de Niépce e que é considerada por alguns estudiosos a verdadeira primeira fotografia da história, a imagem original, paralela à mais conhecida vista da janela do mesmo autor. Trata-se da reprodução de uma mesa com alguns objectos de uso doméstico. Este projecto em polaróide foi inteiramente realizado na casa/atelier do autor, utilizando alguns utensílios particulares semelhantes. Esta ideia de cópia da cópia, de reprodução da reprodução, de impossibilidade ou possibilidade de produção em série do objecto artístico é por mim referida na peça “UTZ”, igualmente realizada em polaroides e, exactamente pela enorme importância da cor precisa na reprodução fotográfica, por apenas essa poder corresponder à verdade da prova, baseada no azul registado por Yves Klein.
A película utilizada, já fora do seu prazo de validade, foi ainda sujeita a tratamentos térmicos agressivos, criando provas únicas e irrepetíveis e levando assim para estas imagens uma “aura” e uma memória de objecto único, hoje perdida na era do digital, em que tudo é reprodutível ad infinitum ad nauseam.

UTZ é o último livro de Bruce Chatwin, uma novela sobre um coleccionador de figuras de porcelana em Praga, que é incapaz de abandonar a sua amada colecção e fugir do país, apesar da sua aversão ao regime comunista.

daniel blaufuks