Sob Céus Estranhos
Hoje em dia, é certamente do conhecimento público que a subida de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, em Janeiro de 1933, e o alargamento do domínio Nazi para a Áustria e Checoslováquia, deram origem a um êxodo humano em massa da Europa Central a partida de milhares e milhares de refugiados desesperados por fugir à violenta perseguição nos seus países de origem. Quase meio milhão de pessoas, a sua maioria judeus, procurou asilo, primeiro nos países europeus vizinhos, na Palestina e nos Estados Unidos, e, mais tarde, à medida que estes países foram fechando as suas portas, em qualquer país que os aceitasse.
Portugal e, em particular, a sua capital, a importante cidade portuária do Atlântico, Lisboa, é um dos pontos de passagem e de asilo menos mencionados da Europa um lapso surpreendente, se considerarmos o facto de que mais de 50.000 (e talvez até 200.000) refugiados passaram por esta cidade, incluindo escritores e jornalistas famosos como Arthur Koestler, Alfred Döblin, Erika e Heinrich Mann, Hermann Grab, Hans Sahl e outros, que a referem em memórias e relatos publicados. Este país, que era dirigido desde 1927 pelo ditador António de Oliveira Salazar, foi um mero espectador do crescente conflito europeu durante a década de 1930, e manteve-se curiosamente “neutro” durante a guerra simultaneamente solidário com a ideologia do Eixo e economicamente dependente da Grã-Bretanha, era suficientemente tolerado por ambas as partes, de modo que os seus navios podiam navegar o Atlântico sem serem muito perturbados por submarinos e interdições navais.
Sob Céus Estranhos é uma meditação evocativa e poética acerca da experiência dos refugiados da Europa Central e do sentimento de dispersão transitória em Lisboa e arredores. É uma exploração em movimento, encantadoramente modesta e humana do lugar, do tempo e do desenraizamento transmitido ao longo de gerações, dos avós refugiados que vieram da Alemanha para Portugal (e que decidiram aí estabelecer-se após a introdução das Leis Raciais de Nuremberga em 1936) para os pais e para o neto. Poucos refugiados se mantiveram em Portugal depois do fim da guerra, mas os avós de Blaufuks, ao contrário de muitos outros, optaram por não continuar para outros destinos nem regressar à Alemanha. Tendo crescido no quinto andar do mesmo edifício que os seus avós em Lisboa, em criança Blaufuks cresceu mergulhado num universo de vestígios da experiência dos refugiados um mundo de alusões, fotografias, alguns bens materiais, receitas, costumes e memórias que não eram as dele próprio, mas que ele acabou por integrar indelevelmente.
Utilizando alguns desses vestígios, bem como velhas bobines de notícias e filmes caseiros, excertos de memórias e escritos dos refugiados, histórias de família e materiais de arquivos na Europa e América, Blaufuks disponibiliza-nos um rico mosaico visual e oral de um momento significativo da história dos judeus no século XX.
O resultado o seu belo e brando filme é testemunho de uma verdade importante, mas frequentemente ignorada. Apesar da imperfeição da transmissão de conhecimento intergeracional, apesar desta falhar no que toca a captar e transmitir a experiência através da memória, a transmissão está rodeada de valores e lições que transcendem as suas limitações inerentes valores e lições que podem efectivamente ser transmitidas de uma pessoa para outra e de geração em geração ao longo do tempo.
Leo Spitzer, Professor de História no Dartmouth College.