A série de "O Ofício de Viver" é um trabalho, inspirado nos diários de Cesare Pavese, sobre a experiência do tempo e das recordações que restam dos dias que passam. Viver como um ofício, como algo que necessita da sua própria ordem, como se tratasse de uma tarefa em algum escritório e da necessidade, por vezes mecânica e burocrática, de arrumar o tempo: acordar, comer, pensar, fazer, trabalhar, dormir, viver. Ontem, hoje, amanhã.
Este conjunto de trabalhos fotográficos, apresentados em variados formatos, são fragmentos escolhidos de uma vida passada e de um espaço de tempo complexo para o seu autor. A série é composta por trabalhos simples, quase "tableaus" da banalidade do quotidiano, encenados para este trabalho em espaços recolhidos e com pouca ou nenhuma ligação com o mundo exterior. São peças viradas para si mesmas, como quem escreve um diário, de um tempo que parece eternizar-se. Este conjunto de trabalhos, com uma forte carga simbólica, que, no entanto, pouco ou nada relata, remete não só para a nossa memória pessoal, como igualmente para representações presentes na Pintura e no Cinema e que fazem parte da memória comum à nossa civilização.
Na História de Arte um copo de água, por exemplo, simboliza habitualmente "pureza" e um conjunto de limões "fidelidade", mas outras conotações metafóricas ou simbólicas são possíveis com as imagens desta série: a angústia, o desejo, a pobreza, a memória, a luz, a imagem da morte, a possibilidade de suicídio, o tempo que passa, a solidão e o recolhimento. São trabalhos que falam da relação do passado com o presente e da importância deste no futuro. Interessa ao autor não a imagem em si, mas o que ela pode representar dentro de um espaço e de um momento.
A consciência da perda imediata do presente é aquilo a que, no fundo, chamamos de "momento". Uma fotografia é uma cristalização dessa mesma experiência, uma "imagem-tempo" (e não, como no cinema, uma imagem-movimento"), e é, simultaneamente, passado e presente sobrepostos num só momento, numa só experiência. As fotografias apresentadas são assim instantes que se transformaram em espaços de tempo infinitos. E é através destes e de uma experiência diária do factor tempo ou, melhor, da perda deste, e não do próprio tempo em si (que flui sem que verdadeiramente nos apercebamos), que adquirimos a percepção e a memória do presente, que se transforma instantaneamente em passado.
Escreve Pavese no seu caderno: "Durante a viagem de comboio pensei que aqueles campos que via fugir, as cortinas de árvores, as casas, os recantos,as recordações de outros tempos, tudo serviria para fabricar memórias, para gerar o passado. Por banal que fosse o momento, e, no fundo, aborrecido,
reencontrá-lo um dia já não seria banal" e, noutro dia, "não se recordam os dias, recordam-se os instantes".
A imagem fixa, tal como, pela sua inutilidade, um relógio parado, alerta-nos precisamente para esse fluxo cronológico constante e eternamente presente. É o tempo interrompido que nos torna conscientes do tempo em movimento. Todas as fotografias vão aparentemente contra essa corrente do tempo, constituindo assim um presente sempre presente. E é a memória que as transforma em momentos, o acontecimento de um dia qualquer numa ocorrência de todos os dias ou de um dia preciso. Viajamos sempre no presente e, no entanto, não o alcançamos nem o conseguimos segurar, porque não o conseguimos parar. O presente continuará depois de nós.
Estas imagens parecem existirem fora deste presente ou mesmo apesar deste presente. Não contém tempo, são interrupções ou cortes dessa linha infinita que, no entanto, não se deixa interromper. São momentos de suspensão e memórias não concretas. Arquivos de algo que não é possível arquivar.
Pavese debate-se igualmente com a prática e a condição do artista. Nesta, em que os horários de trabalho são aparentemente mais flexíveis e desorganizados, é extremamente necessária uma disciplina própria e uma constante confiança na utilidade da própria arte como uma pesquisa contínua e inerente à própria existência do artista. A arte como exercício diário, a arte como razão para sobreviver. Ter um trabalho para ter direito ao descanso, escreve Pavese. Sentir-se útil, sentir-se em paz, não desistir.
A 18 de Agosto de 1950 Cesare Pavese anota na última página do seu diário: "Palavras, não. Um gesto. Não escreverei mais". Poucos dias mais tarde, suicida-se num impessoal quarto de hotel de Turim. Não escreverá mais.