Momentos e entretantos
Há coisas que se agarram a nós e que nunca mais nos largam:
cheiros, toques, sensações, imagens, pessoas. Este material, que no
limite constitui a matéria de que é feita a nossa experiência com o
mundo, é sempre originado nos nossos mensageiros exteriores: os
nossos sentidos. A fotografia é, por excelência, a arte de agarrar
nesses momentos: fugazes, instantâneos, momentâneos. Para além
de gravar, registar e conservar a configuração de algo, a imagem
fotográfica, enquanto veículo expressivo, possibilita fixar um
horizonte de possibilidades de experiências. Não se trata da
possibilidade de inverter o tempo, mas sim de consagrar o tempo
que passa enquanto possibilidade de vivências. Como diz o
fotógrafo Daniel Blaufuks: "Na fotografia não tens nem o princípio
nem o fim. Apenas tens um momento, um entretanto" (em
entrevista a Sérgio Mah). E é destes "entretantos" que se alimenta a
imaginação na procura de imagens com sentido e a mão do artista
na realização de experiências. _Se há coisa que podemos afirmar
acerca do trabalho deste fotógrafo, é que a fotografia não lhe surge
como ferramenta expressiva, como um meio que coloca ao seu
dispor com a intenção de melhorar um efeito pretendido. Antes, a
fotografia é o seu princípio e o seu fim, para ele a própria
disciplina, com a sua história própria, são os elementos com que
tece a sua compreensão e visão do mundo. Chamar-lhe fazedor de
imagens não chega, porque não está simplesmente em causa a
criação de entidades meramente plásticas e estéticas. A imagem
serve-lhe, isso sim, enquanto possibilidade de experiência,
enquanto possibilidade de criação. Trata-se, quase sempre, de
experiências ficcionais e, logo, expressivas e nunca de tentativas
documentais ou descritivas. As imagens que constrói, qual
demiurgo na tentativa da formação de novos mundos, destinam-se
a dar conta da sua própria experiência com aquilo que o rodeia.
Como ele o coloca: "Como artista, a única coisa que posso
acrescentar ao mundo é ser tudo aquilo que vejo ou leio mais tudo
aquilo que sou. E não posso ser outra pessoa." _Tanto os seus
filmes, como as suas fotografias inserem-se na mesma lógica. E
nesta exposição o filme "Traum" pode ser visto como uma síntese
dos mecanismos perceptivos e composicionais presentes no
trabalho de Blaufuks. A palavra alemã tanto pode ser traduzida por
sonho e por trauma e esta indistinção e permeabilidade longe de
ser uma falta de rigor por parte do fotógrafo, diz respeito à
construção imagética que fazemos daquilo que nos rodeia. Um
vídeo exemplar onde a sucessão das imagens, ao som de
Shostakovich, é feita com uma cadência que mais lembra um
poema que um filme. Memórias passadas e presentes, objectos e
jornais, texturas sonoras e ambientes inscrevem este trabalho, bem
como os outros desta exposição, numa zona feita de medos,
antecipações, sussurros e sorrisos. Em qualquer dos casos trata-se
de descobertas das paisagens que povoam a imaginação e o
sentimento humanos.